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Entre sexo e voyeurismo: cinema pornô resiste no Centro Histórico de João Pessoa

Fundado em 2004 em João Pessoa, cinema resiste à pornografia online e oferece até cartão fidelidade para frequentadores.

Marco Antônio posa, orgulhoso, em frente ao Cine Phoenix. Crédito: Francisco França

Dou uma volta pela praça, sento por uns cinco minutos, observo o movimento — sempre a uma distância segura, acima de qualquer suspeita, do Cine Phoenix, casa de cinema pornô localizada ao lado do Theatro Santa Rosa, na praça Pedro Américo, Centro Histórico de João Pessoa.

Para não ficar rondando sem rumo pela rua, resolvo finalmente seguir em direção ao cinema e paro na soleira. ‘O melhor para o melhor’, diz o slogan da placa na fachada do prédio. Sem olhar para os lados, respiro fundo e passo pelas portas duplas. Diante de um painel de vidro com uma pequena abertura, me apresento e explico porque estou ali. A pessoa por trás do vidro aceita conversar por alguns minutos e, em seguida, uma segunda porta se abre para a bilheteria lúgubre do cinema.

Crédito: Francisco França

Quem me recebe é Marco Antônio, dono do estabelecimento. Solícito, ele começa a me explicar sua história, que se confunde com o próprio Cine Phoenix. A todo instante, ele precisa se levantar para atender os clientes, que trata como amigos de longa data. “Aqui eu trabalho pensando sempre no cliente”, anuncia Marco. “E não é uma relação somente profissional. Eu sou quase um psicólogo, um conselheiro das pessoas. Converso muito com eles e acabo criando vínculos, amizade mesmo”, explica.

“É por isso que eu sempre volto, né?”, acrescenta um dos clientes com um sorriso, que escutava nossa conversa antes de pegar uma embalagem de camisinhas, disponível em um pote cheio ao lado da bilheteria, e entrar para as salas de exibição.

Do queijo aos prazeres

O Cine Phoenix chegou a João Pessoa em 2004, então com o nome Cine Sex América e subordinada ao Cine Imperador, uma cadeia de cinemas pornôs de Recife. Na época, Marco trabalhava como vendedor ambulante de queijo na praça Pedro Américo. “Havia um fiteiro que pertencia ao dono do cinema bem em frente, e um dia eu passei oferecendo meus queijos e comecei a conversar com o filho do dono”, conta.

Em 2007, os donos do Imperador convidaram Marco para trabalhar no cinema, já que um dos funcionários estava de saída. “Eu já estava fora do mercado formal há dez anos, e como eles ofereciam carteira assinada, tudo direitinho, não hesitei. Mas fui pensando em ficar apenas um ano, para juntar um dinheirinho”, relembra.

Crédito: Francisco França

Apesar disso, à medida que se envolvia mais com o trabalho nos corredores escuros, o pensamento foi mudando. Ele conta que começou a perceber formas de melhorar os serviços do cinema e a notar os problemas do local. “Eu dava sugestões de como melhorar o negócio, mas não era ouvido”, diz, acrescentando que, ao mesmo tempo, começou a nutrir o desejo de abrir seu próprio cinema.

O destino pareceu favorecer seu lado empreendedor. Em 2013, o Cine Sex América passava por problemas financeiros e dificuldades para contratar funcionários. Prestes a ser fechado por seus donos recifenses, o cinema logo despertou interesse em Marco, que alugou o espaço por um ano, antes de ter condições para comprá-lo definitivamente em 2014.

“Sexo é inerente ao ser humano”

Apaixonado pelo cinema, Marco procura manter o Cine Sex América aberto apesar do preconceito e do medo que muitas pessoas nutrem em relação a sexo. “O preconceito das pessoas diminuiu ao longo dos anos, mas nunca vai deixar de existir. Só que eu tenho a convicção de que isso é parte da natureza do ser humano. Ninguém nunca vai deixar de comer ou beber — se o cara ganha R$ 10, vai tirar R$ 5 pra isso”, argumenta. “A mesma coisa é aqui. Sexo é uma parte inerente do ser humano e não tem crise econômica que acabe com isso. Se o cara quer pagar para ver um filme ou conhecer alguém, ele só não faz se não tiver um lugar que ofereça um serviço de qualidade. Quem não gosta de sexo, quem não sabe o que é?”.

Clientes têm wi-fi gratuito e acesso a bingo. Crédito: Francisco França

Segundo ele, é preciso ter noção do que o público procura para que um cinema pornô possa fazer sucesso em tempos de pornografia gratuita na internet. “Eu sei o que o meu público gosta e ofereço isso. A internet é ilusória, aqui é o mundo real”, afirma, convicto. “O ambiente cria um fetiche, influencia no comportamento das pessoas”.

Sob a direção de Marco, o cinema passou de um negócio à beira da falência para um estabelecimento com público cativo — há até um cartão fidelidade para os clientes mais assíduos. “Transformei isso aqui em muito mais do que o cinema pornô”, brada, acrescentando que fala de seu trabalho sem reservas para todos que conhece, inclusive para a mulher e os filhos. “Eu amo o que faço. Me motiva e me deixa feliz”.

No meio da conversa, um dos frequentadores volta à bilheteria e pede um sachê de lubrificante íntimo — mais um pequeno mimo do Cine Phoenix aos clientes.

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Crédito: Francisco França

O Cine Phoenix, casa de cinema pornô localizada no Centro de João Pessoa, não é apenas um cinema — além de duas salas de exibição, (uma heterossexual, que fica no térreo, e uma gay, no subsolo, que eventualmente ainda exibe filmes para públicos com gostos menos convencionais), o local conta com bar, dark room, quatro cabines privativas e hall com área de convivência.

Há um forte cheiro de perfume e desinfetante no ar, que se torna mais intenso à medida que saímos da bilheteria e andamos em direção às salas — reflexo, segundo o dono do estabelecimento, Marco Antônio, da limpeza constante que é feita no local. Rolos de papéis e lixos são visíveis em todos os corredores do cinema, numa tentativa de diminuir a sujeira deixada pelos clientes.

Segundo Marco, o serviço de limpeza é realizado de hora em hora, principalmente nas cabines e no dark room. Quatro funcionários trabalham no local, todos com carteira assinada, e recebem cursos de capacitação sobre higienização e sexualidade.

Fazemos um tour cuidadoso em partes do cinema, procurando não atrapalhar ninguém. Durante todo o caminho pelos corredores escuros, é possível escutar gemidos — ora dos filmes em exibição, ora dos próprios frequentadores –, e é preciso calcular os passos com cuidado para evitar os preservativos descartados no chão. Clientes passam por nós, a maior parte aos pares, desconfiados, em direção às salas, às cabines privadas e ao dark room.

A entrada para o dark room do Cine Phoenix Crédito: Francisco França

Infelizmente, nem todos que vão ao cinema encontram uma alma gêmea e se contentam em observar; na ‘sala heterossexual’, que dispõe de cerca de 30 lugares, um senhor solitário, que pareceu não se intimidar com nossa presença, assistia à uma modelo que se despia lentamente na tela. “A sala hétero é mais vazia”, confidencia Marco em um sussurro — como se fosse possível sobrepor sua voz aos ruídos exagerados do filme.

O público gay é o que compõe a maior parte da freguesia — são cerca de 70 a 80 pessoas diariamente, no total. A sala de exibição de filmes gays é, de fato, bem mais frequentada — quando espiamos da porta, é possível avistar um grupo de cerca de dez homens assistindo ao filme, atentos, ou engajados em outras atividades.

As cabines privadas Crédito: Francisco França

“Aqui vêm muitos homens héteros, que geralmente permanecem sozinhos só assistindo. Já o público gay encontra parceiros com mais facilidade para ir às cabines privadas ou ao dark room“, conta Marco. “Mas também frequentam mulheres e até casais”, acrescenta com orgulho.

Na cabine privada a que temos acesso, o cinema oferece uma lixeira, um rolo de papel e — um luxo — luzinhas para criar o clima ideal ao romance. O dark room, por motivos óbvios, ficou fora de nosso alcance.

Me despeço e deixo para trás a escuridão e o cheiro de desinfetante do Cine Phoenix. Uma barata espera à porta para dizer adeus. Enquanto saio, um jovem passa por mim, tirando o cartão fidelidade do bolso enquanto falava ao celular. Sem preocupações, paga o ingresso e entra pelas portas duplas.

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Originalmente publicado aqui e aqui.